domingo, 23 de outubro de 2011

I Encontro de Tradução em Pernambuco – Algumas Palavras.

Veja como começou e tudo o que aconteceu neste fantástico Encontro.


No último dia 15 de outubro, aconteceu pela primeira vez no Estado um Encontro de Tradução. A iniciativa partiu da Banca de Estudos - Tradutores Juramentados – JUCEPE (Concurso), um grupo criado no Facebook com a intenção de agregar interessados e candidatos ao concurso para preenchimento das vagas de tradutores públicos da Junta Comercial de Pernambuco a fim de estudarem juntos e levantarem materiais úteis para a preparação ao Exame.

A ideia da Banca, idealizada pelo estudante de Direito Rodrigo Farias (candidato ao cargo de tradutor juramentado em língua alemã), sempre foi a de ter um ponto de encontro virtual em que as pessoas pudessem conversar, compartilhar ideias e trabalhar colaborativamente para o sucesso de todos na realização do Exame. Longe de se verem como concorrentes, os integrantes da Banca sempre prezaram pelo espírito de equipe e ajuda mútua que atraiu diversos participantes desde a sua criação no mês de junho e conta hoje com mais de 200 integrantes, muitos até de estados como Paraná, Rio Grande do Sul e Pará.

Já que o objetivo não era apenas uma reunião de pessoas para estudar para um concurso em particular, diversas ações foram iniciadas para integrar os participantes e gerar conteúdos e iniciativas que fossem além do propósito inicial. Assim, encontros entre os primeiros membros ocorreram no mês de julho e de lá para cá as ideias não pararam de aparecer. Do compartilhamento de sites de estudos, glossários e provas de concursos antigos (alguns realizados havia mais de trinta anos), os projetos foram evoluindo até culminar com um dos mais representativos, importantes e, quiçá, históricos que a Banca ousou acreditar (e que é motivo deste post): O I Encontro de Tradução em Pernambuco.

Pensado, de início, como uma oportunidade para reunir profissionais e estudantes de Tradução, iniciantes ou veteranos, para discutir temas de interesse e trocar conhecimento, o Encontro ganhou forma e importância de um Evento Regional. Realizado no auditório da Faculdade Esuda, as 120 vagas (capacidade máxima que o auditório suportaria) foram preenchidas em menos de uma semana. Contaram para isso a repercussão que a Banca já vinha ganhando no Facebook, com o boca a boca de quem já a via como uma excelente ferramenta de colaboração, e a divulgação nos veículos de imprensa, como sites de notícias e uma rádio. Mas, talvez, essas tenham sido duas das razões mais óbvias com as quais se poderia explicar o repentino interesse por um campo que nem tem tanta visibilidade assim, e poderia muito bem ter passado em branco, sendo frequentado por alguns acadêmicos e estudantes igualmente envolvidos na área. Um fator que pode não ser tão saliente, mas que teve um papel fundamental é que uma iniciativa como esta nunca tinha sido realizada em nosso Estado!

“Por que essa atividade se mantém invisível em um país que durante 500 anos lê, pensa e sonha traduções das culturas que o têm dominado?” nos questiona a pesquisadora e tradutora Lia Wyler em seu livro Línguas, Poetas e Bacharéis – Uma Crônica da Tradução no Brasil, obra importante para todos que desejam conhecer a trajetória dessa atividade que tem se mantido invisível aos olhos dos brasileiros e de tantos outros povos, conquanto seja impossível de viver sem ela numa época em que a globalização não é mais novidade ou palavra da moda para ninguém.

Por que, sem motivo aparente, mais de 100 pessoas e outras tantas que ficaram na lista de espera, acorreram a participar de um evento que só deveria interessar a alguns poucos estudantes universitários, talvez a alguns professores de idiomas e aos próprios realizadores? Eu detesto fazer perguntas para as quais não tenho respostas, mas essa vai ser um delas. O que eu posso fazer é levantar algumas suspeitas. A primeira delas é a mesma que ensejou a criação da Banca de Estudos, que ensejou a realização do Evento (viu que tudo tá ligado?!): o Concurso da JUCEPE.

As pessoas estão começando a despertar para o fato de que tradução não é coisa para quem apenas sabe uma língua estrangeira e “resolve” traduzir para melhor aproveitar seus conhecimentos, fazer um bico ou ajudar um amigo. Tradução é coisa séria. Exige prática, preparo, muita dedicação, interesse ininterrupto para pesquisar sempre e nunca se dar por satisfeito ao achar que fez um trabalho bom. Ah, por acaso eu esqueci de mencionar que é uma indústria milionária? Hmm, talvez não aqui no Brasil. Ainda. Mas lá fora...

Você, caro leitor, se não tinha parado para pensar nisso, talvez só pensasse na tradução quando visse um trabalho mal feito. Se já leu algo muito bom, rolou de rir ao assistir um filme da Disney dublado e entendeu tudo numa conferência de medicina cujo palestrante era chinês, mas você não entendia a língua dele, talvez não tenha se dado conta de que um tradutor ou intérprete tenha trabalhado arduamente para fazer com que você tivesse a melhor experiência possível. E isso sem você saber que ele estava lá. Entendeu por que eu disse lá em cima que é uma profissão invisível? Agora, óbvio, se você teve problema ao assistir a um filme legendado e comparou ao original que ouviu, certamente o tradutor vai saltar na sua frente e receber todos os insultos que sua mente criativa puder pensar. É injusto, eu sei, mas é assim que acontece: se é bom é invisível; se é ruim, você percebe.

Contudo, qualquer que tenha sido a sua percepção até este momento, o fato que a tradução continua sendo uma atividade que movimenta dinheiro ainda está lá. Pare de pensar por um momento apenas nos tradutores literários, que traduzem os livros policiais que você lê e despertam a ideia romântica de um artesão solitário, que passa semanas em busca da palavra perfeita. Comece a ampliar seus horizontes. Pense também nos tradutores técnicos, aqueles que traduzem os manuais de equipamentos eletrônicos, manuais de construção civil, nos tradutores audiovisuais, que traduzem os roteiros das séries e filmes a que você assiste, nos tradutores dos jogos com os que você brinca, nos tradutores de contratos internacionais, de sites da internet, nos intérpretes de conferência, de cortes internacionais, de premiações mundiais, intérpretes de comunidades de estrangeiros, de hospitais, de reuniões empresariais... Viu como são muitos os campos de atuação nos quais talvez você nunca tenha parado para pensar?

Com a abertura do processo de seleção para provimento das vagas de Tradutor Público e Intérprete Comercial – mais conhecido na praça como Tradutor Juramentado – as pessoas passaram a perceber que a tradução é algo no qual elas podem investir, algo que pode ser feito aqui mesmo perto de casa, sem precisar ir a Rio ou SP. Pernambuco é um dos mais respeitados polos médicos e de informática do país. Todo ano, muitos eventos necessitam da atuação de intérpretes para a sua perfeita realização, cada vez mais documentos precisam ser traduzidos, filmes adaptados, e diálogos compreendidos por quem não fala a outra língua. Com o crescimento de Suape e o desejo de cada um pegar a sua fatia do bolo, como deixar passar um evento como este, em que uma profissão tão esquecida teria um dia só pra si, com profissionais atuantes partilhando suas experiências, mostrando as dificuldades e atalhos, estudantes e pesquisadores debatendo sobre as perspectivas futuras, e a plateia podendo ter acesso a algo tão necessário, mas ao mesmo tempo tão distante?

O Evento

Foi assim, que no sábado 15, as pessoas compareceram de manhã cedo para passar o dia assistindo a palestras e debates interessantíssimos e atuais sobre as diversas facetas desta atividade. Abrindo o dia, tivemos o idealizador da Banca, Rodrigo Farias, falando dos primeiros meses de existência do grupo, realizações, conquistas e projetos futuros. Em seguida, o estudante de Ciências Políticas e pesquisador em Linguística Comparada, Wander Amorim, apresentou as várias modalidades de tradução a que o iniciante pode se dedicar, aproveitando também para mostrar a necessidade (tantas vezes esquecida) de que, tão ou mais importante que deter o domínio da língua estrangeira é conhecer a língua portuguesa. Ele apresentou uma breve história do idioma, desde suas origens na região da Galícia, norte de Portugal e noroeste da Espanha, terminando com uma crítica à mais recente Reforma Ortográfica experimentada pelo idioma de Camões.
                                               O Palestrante Wander Amorim


Dando continuidade, este que vos escreve, formado em Tradução pela UFPE e realizando pós-graduação em Metodologia da Tradução na FAFIRE, abordou o Ensino da Tradução na Universidade. Com uma temática pretendida a ser polêmica em alguns pontos, busquei despertar nos presentes uma reflexão mais real sobre o ensino da Tradução nas instituições de Ensino Superior no Brasil, repensar a extrema devoção à teoria e cobrar mais carga horária prática para os graduandos e mostrar como a realização de eventos como este traz um impacto imediato mais eficaz do que as pessoas podem supor.
                      Minha palestra sobre o ensino da tradução na Universidade.


Em seguida à minha palestra e complementando-a, veio a intérprete Ju Chaade, que tratou das práticas de mercado atuais, de como conhecê-lo, como chegar ao cliente, além de apresentar ao público o mais novo curso prático de formação em tradução disponível em Pernambuco. Após o almoço, contamos com a presença do intérprete de conferências Sávio Bezerra, que mostrou aos presentes as características e exigências da profissão. Colada a esta palestra veio uma das mais esperadas do dia: a presença do Tradutor Público Francisco Rosário, que apresentou a todos um pouco mais das atribuições deste profissional, motivo pelo qual muitos tinham prestado o exame da JUCEPE e estavam no Evento aquele dia. Após as duas palestras da tarde, houve um debate conjunto com os dois palestrantes e a plateia pôde tirar todas as dúvidas, aprendendo muito com eles e também se divertindo com os momentos de descontração em que os intérpretes falaram das situações mais pitorescas pelas quais já passaram em sua carreira.
              Francisco Rosário (à esq.) - Tradutor Público e Intérprete Comercial
                              Sávio Bezerra (à dir.) - Intérprete de Conferências.


Assim, aproximando-se do final do Evento, o dia foi concluído com a exibição de um vídeo do Assessor do Presidente de Suape, Jairo Farias, o qual não pôde comparecer pessoalmente. Jairo elogiou a iniciativa, falou brevemente de como aprendeu mais de 20 línguas e outros tantos dialetos e instigou a todos que perseverassem em seus estudos e aspirações profissionais.

O dia foi encerrado com o sorteio de brindes dos patrocinadores, bolsas de estudos e livros de tradução. Diversos foram os agradecimentos dos participantes, mostrando-se surpresos com o nível de organização das atividades e o alto nível das palestras. Sem dúvida, o I Encontro de Tradução de Pernambuco superou todas as expectativas de quem participou, e deixou na gente (palestrantes ainda mais) um gostinho de quero mais.

Um dos fatores mais dignos de nota é que o Evento foi inteiramente organizado por um pequeno grupo de pessoas, com pouca ajuda e muita determinação. Não podemos negar que os patrocinadores foram essenciais na consecução dos objetivos, mas até chegar até eles houve uma bela jornada! Talvez o que eu queira mesmo dizer é que o porte deste evento foi comparado ao que é realizado pelas Universidades ou Associações Profissionais país afora que, diga-se de passagem, cobram taxa de inscrição pela participação – o que é justo, já que os gastos precisam ser arcados por alguém. Já no I Encontro de Tradução em Pernambuco, os participantes tiveram acesso gratuitamente, sendo-lhes pedido – como uma iniciativa social – que levassem um quilo de alimentos para ser doado a uma organização de caridade. Todos receberam um kit de inscrição com pasta, bloco, caneta e régua; concorreram a camisas, pen drives, leques, livros e bolsas de estudos, além de ter acesso em primeira mão aos próprios profissionais da área, com suas dicas e conselhos valiosos, sem contar o networking (contato profissional).

O I Encontro de Tradução em Pernambuco sem dúvida terá sido um marco no resgate do interesse por esta atividade no Estado e trará muitas consequências positivas e iniciativas dele derivadas que beneficiarão tanto aos que participaram quanto aos que não puderam comparecer. Quem duvida disto, basta olhar a história. O I Encontro Nacional de Tradutores a ser realizado no país foi em 1975, uma iniciativa da PUC do RJ (a primeira universidade a oferecer o curso de tradução no País) e da então recém-criada ABRATES (A Associação Brasileira de Tradutores). Daquele histórico evento sairiam diversas realizações, sendo uma delas o pedido para regulamentação da profissão de tradutor. Embora não conquistado, a movimentação permitiu que a profissão fosse ao menos reconhecida e permitida a ter um sindicato. 

                  I Encontro Nacional  (1975) e I Encontro de Pernambuco (2011)
                             Os convites de ambos os eventos de Tradução.


Assim, que as ações desencadeadas naquele sábado, dia 15, estejam trabalhando silenciosamente neste momento para que muitos frutos sejam gerados e colhidos num futuro breve aos praticantes, formados, interessados e veteranos nesta que é a segunda profissão mais antiga do mundo!

Abraços.