quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Livros, livros, livros

Entre livros que li, livros que lerei...


Dentre os meus vários passatempos, existe um que é um vício muito forte. Algo que realmente me consome e me deixa com uma síndrome de abstinência terrível quando não pratico: a leitura. Eu adoro ler. Mesmo. De tudo: ficção, obras de fantasia, biografias, enciclopédias, etc. Infelizmente, com tanta coisa que a gente precisa dar conta nas rotinas diárias, nem sempre me sobra tempo para ler mais o que eu gostaria.

Este ano, até o momento de publicação deste post eu li 34 livros. É pouco, eu sei. Nas minhas resoluções de ano novo eu tinha prometido 52 livros em 2011, o que daria uma média de 1 livro por semana. Mas, eu comecei o ano meio devagar e só vim entrar em velocidade de cruzeiro por volta de março. Vou tentar ler mais um seis livros e fechar o ano em 40 para superar a quantidade de 2010.

Mas, o propósito deste post não é só ficar me lamuriando de não ter mais tempo para a leitura. É, sim, poder começar a compartilhar um dos tipos de livros que me estimulam muito, por causa da minha profissão. Livros sobre Tradução. Não adianta nada a gente ler e não compartilhar, não é verdade? Se tem uma coisa que eu gosto de fazer, depois de ler livros, é divulgar as boas obras para outras pessoas partilharem da alegria da descoberta junto comigo. Porém, não é todo mundo que vai gostar de ler sobre tradução como eu gosto. As pessoas vão preferir saber de algum best seller do momento, alguma obra de fantasia, ou romance de vampiro. Nada contra essas histórias, entre uma e outra leitura mais técnica eu gosto de desanuviar minha mente com histórias fantásticas também. Mas sendo este um blog que trata de tradução, quis aproveitar o ensejo e iniciar uma série de posts sobre livros de tradução.

Mais uma vez, nem todos os livros de tradução que eu li seriam de interesse até de quem gosta de ler sobre o assunto. Então resolvi pegar uns 7 ou 8 livros que valessem a pena uma resenha e os separei para tentar despertar em vocês uma ponta de curiosidade de irem atrás deles saber mais um pouco sobre essa prazerosíssima profissão. Os livros vão variar, desde os que têm uma abordagem mais prática e direta, excelente para quem não quer saber de muita teoria, como o Fidus Interpres, de Fábio Said, e Traduzir com Autonomia, de Fabio Alves, passando pela História da Tradução, na Europa e no Brasil – uma viagem fascinante e poderosa, acreditem, até chegar numa leitura bem descontraída sobre a profissão de intérprete com o livro Sua Majestade, O Intérprete, de Ewandro Magalhães.

O que vem por aí...

É claro que com o tempo eu posso me lembrar de outros, mas não quero que a lista fique extensa demais. O legal é trazer um repertório bacana e estimulante, assim quem é da profissão fica mais cônscio de seu papel, e quem tem curiosidade pelo ofício aprende mais e valoriza essa atividade. Creio que a época também será propícia, pois para muitas pessoas as férias se aproximam, sobra mais tempo para o descanso e a leitura, há várias promoções nos sites e chega novamente a hora de pensar no próximo ano. Para os tradutores, pode ser a oportunidade de finalmente se organizar para fazer aquela especialização que vêm adiando; para outros, pode ser a hora de se profissionalizar na tradução, que antes era só encarada como um bico. Para o estudante pode ser o fator que vá ajudar na escolha da profissão no vestibular... (bem, aí já estou forçando demais a barra).

No próximo post, vou falar do livro Fidus Interpres – A Prática da Tradução Profissional. Uma obra fantástica, que tem recebido muitas críticas positivas e cada vez mais vem ganhando o espaço e o respeito merecido.

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Abraços.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Você tem um tempo para mim?



Eu sou fascinado pela questão do tempo. Quando vi o trailer do filme “O Preço do Amanhã” (In Time), sabia que não podia deixar de ver esse filme.

Quantas vezes a gente não se pega dizendo: “Se eu tivesse mais tempo eu... (complete aqui com qualquer desejo que você queria realizar, se tivesse tempo)”. Eu vivo dizendo isso: se eu tivesse mais tempo eu leria todos os livros da Livraria Cultura, assistiria a mais filmes, acompanharia mais séries, escreveria muito mais pro meu blog, leria todos os blogs que eu acompanho, escreveria mais artigos, viajaria mais, voltaria a malhar, e por aí vai.

Uma das coisas que eu escuto, e que de vez em quando repito, é – “queria que meu dia tivesse 36h ou 48h”. A bem da verdade, se isso fosse possível seríamos tão ansiosos e ocupados quanto somos hoje e as prováveis “horas extras” não ficariam lá à toa para nós usarmos ao bel-prazer. Afinal, alguém precisaria trabalhar mais para manter o mundo girando e a economia fluindo. Ou seja, de nada adiantaria. A gente tem que se virar com o que tem. Mas, e se mesmo o que você tem lhe fosse tirado?

O que me chamou atenção no filme é sua interessante premissa. No futuro retratado nessa realidade, as pessoas negociam o tempo, e não dinheiro. Quer um cafezinho? Custa 4h da sua vida; uma viagem de ônibus? São duas horas. Você poderia até achar barato, desde que não soubesse quando iria morrer, mas e se só tivesse um dia?

As pessoas ali vivem “de graça” até os 25 anos de idade; daí em diante vão gastando suas horas de vida, que são marcadas no braço e vão sendo descontadas como dinheiro para o que quer que precisem. Se não conseguirem um jeito de ganhar mais horas, pelo trabalho, por doação ou como quer que seja, podem simplesmente cair mortas. Por outro lado, as pessoas ricas, que têm muitas horas, podem ser imortais. Alguém pode ter herdado séculos de vida dos antepassados, ou ter acumulado décadas através de riqueza ou de tempo roubado de outras pessoas.

O país é dividido em fusos horários. Quanto mais para o leste, mais ricas são as pessoas, o acesso é quase impossível para quem não é de lá e o ritmo de vida é bem tranquilo. As pessoas lá não têm pressa, pois têm “todo o tempo do mundo para gastar”. Já no fuso que vive o personagem principal, a vida é mais agitada, as pessoas têm pressa e correm para tudo, pois têm poucas horas e tudo custa caro. Quase sempre elas têm que viver, literalmente, um dia de cada vez. A féria do dia é paga no final do expediente com o acréscimo de horas em seus braços.

Como eu sou tradutor e interessado em línguas, uma das coisas bem sacadas é a linguagem criada para falar do tempo. Para perguntar se você vem de uma família muito abastada em horas de vida, se pergunta: “do you come from time?” Se seu tempo está acabando você diz, “you’re timing out”. Um personagem desiludido no começo do filme, por já ter vivido muitos séculos, decide que não quer mais viver e doa seu século restante de vida ao protagonista, desconhecido para ele, que o salvou de uma briga de bar. Enquanto um deles dorme, o doador lhe passa todas as horas de vida, ficando com apenas 5 minutos, e deixa um recado na janela: “Don’t waste my time”. Fantástico né. Adoro essas sacadas.

Ao assistir ao filme, não pude parar de pensar num livro que li há alguns anos e que me marcou muito: “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift. Muita gente pensa que é uma história infantil, uma fantasia criada para entreter as crianças. Mas, essa é só a versão que a Disney enfeitou pra colocar na telona. A versão completa é bem diferente. Chega a ser até ácida e sarcástica. O livro tem várias críticas à sociedade britânica da época e o personagem aborda algumas questões filosóficas, dentre elas, a imortalidade.


No filme “O Preço do Amanhã” algumas poucas pessoas podem ser imortais à custa de outras que nunca viverão até a velhice. O personagem do início, aquele do don’t waste my time, diz que não aguenta mais ter vivido tanto. Chega uma hora em que ele quer apenas morrer. Parece macabro, mas será que a imortalidade seria uma coisa boa mesmo?

Eis o que Gulliver nos diz em seus diários de viagens:

“Por vezes, conquanto mui raramente, acontecia de nascer numa família uma criança com uma marca vermelha circular na testa, o que era sinal infalível de que ela jamais morreria. Tais nascimentos eram tão raros que não acreditava haver mais de mil e cem Struldbruggs ou Imortais de ambos os sexos em todo o Reino. Essas ocorrências não eram específicas de nenhuma família, porém um mero efeito do acaso, e os filhos de Struldbruggs eram tão mortais quanto o resto do povo.

Confesso que senti então um prazer inexprimível ao ouvir tal relato e disse eu, como se num êxtase: Feliz a Nação onde toda criança tem ao menos uma chance de ser imortal! Feliz o povo que dispõe de tantos exemplos vivos da virtude antiga, e mestres prontos para instruí-los na sabedoria de todas as eras passadas! Porém, felizes acima de todos aqueles excelentes Struldbruggs, que por nascerem isentos dessa calamidade universal da natureza humana, têm as mentes livres e bonançosas, sem o peso e a depressão de ânimo causada pela constante apreensão da morte.

Se tivesse eu tido a boa fortuna de vir ao mundo um Struldbrugg eu tentaria por meio de todas as artes e métodos, obter riquezas. Com esse fito, por meio da economia e boa administração, seria razoável supor que em cerca de 200 anos eu me tornasse o homem mais rico do Reino. Em segundo lugar, desde a mais tenra juventude dedicar-me-ia ao estudo das artes e ciências e assim com o tempo haveria de superar a todos em matéria de saber. Haveria eu de registrar com exatidão as diversas mudanças nos costumes, línguas, modas, vestimentas, dieta e diversões. Por meio de todas essas realizações, eu seria um tesouro vivo de conhecimento e sabedoria, e decerto tornar-me-ia o Oráculo da Nação.”

Essa imagem positiva da imortalidade é o que muita gente deve nutrir. Muitos temem a morte e fariam o possível se pudessem adiar a morte por mais um dia. Veja que esse tema é recorrente em diversas obras literárias ou fílmicas, As Relíquias da Morte em Harry Potter, faria do seu possuidor o maior mago que já existiu, indestrutível e imortal; O Elixir da Vida de Nicolau Flamel que mantém vivo quem o beber durante toda a existência; Os filmes da franquia Premonição (Final Destination), em que os personagens, após terem enganado a morte, fazem de tudo para não caírem em suas garras novamente, entre tantos outros.

Em algum ponto, algum personagem sentirá o peso dos séculos e simplesmente não quererá ver mais outro amanhã. Na série “True Blood”, o vampiro milenar Godric se entrega ao sol e sente uma sensação de libertação ao não precisar enfrentar mais um dia de pesada existência, na liderança dos vampiros, fardo que carregou por milênios.
O vampiro Godric (True Blood) entregando-se ao ocaso da existência.

Ao prosseguir na leitura das divagações de Gulliver, entreti na minha infância – assim como o personagem, a ideia de que ser imortal seria bem legal. Se ao menos tudo ocorresse como ele pensava...

“Descobri que os Struldbruggs costumavam agir de modo semelhante aos mortais até chegarem a cerca de 30 anos de idade, quando então se tornavam melancólicos e desanimados, ficando cada vez mais assim até chegarem aos 80 anos, idade considerada extrema naquele país. Eram não apenas opiniáticos, iracundos, avaros, sorumbáticos, vaidosos e palavrosos, mas também incapazes de formar amizades, e indiferentes a todos os afetos naturais. Os objetos a que mais se dirige sua inveja são os vícios dos mais jovens e as mortes dos velhos. Ao refletir naqueles, veem que não lhes resta nenhuma possibilidade de prazer; e diante de um enterro, lamentam-se por saber que aos outros cabe um refúgio de descanso a que eles jamais hão de ter acesso. Não se lembram de nada senão do que aprenderam ou observaram na juventude e na meia-idade, e mesmo essas lembranças são mui imperfeitas.

Aos 90 anos perdem os dentes e os cabelos, nem sentem mais nenhum gosto. Quando falam, esquecem o nome comum das coisas, e o das pessoas, até mesmo dos amigos e parentes mais próximos. Pelo mesmo motivo, não podem eles divertir-se com a leitura, pois sua memória não lhes permite ir do início de uma frase ao fim dela; e por conta desse defeito são privados do único entretenimento que ainda poderiam desfrutar. Como a língua desse país está sempre em mutação, os Struldbruggs de uma era não compreendem os de outra, e tampouco podem, após o intervalo de 200 anos, trocar mais do que umas poucas palavras gerais com seus vizinhos mortais, e assim têm o dissabor de viver como estrangeiros em seu próprio país.

O leitor há de compreender que, a partir do que ouvi e vi, diminuiu deveras meu intenso apetite por uma vida perpétua. Muito me envergonharam as visões deleitosas que havia concebido, e ocorreu-me que nenhum tirano seria capaz de inventar uma morte tal qual eu não abraçasse com muito gosto para escapar de uma vida assim.”

Pensando por esse lado, não vou mais reclamar que não tenho tempo para as coisas que quero fazer. Vou ser mais disciplinado e seletivo e dedicar o tempo devido a cada coisa, antes que aquele cappuccino delicioso comece a me custar algumas horas de vida.

E você, leitor, lembra-se de algum filme que trate desse tema de uma maneira inovadora ou cativante? O que você faria se vivesse séculos, aproveitaria bem ou se sentiria depressivo como alguns desses personagens? Deixe seus comentários.

Abraços.